
No compasso do violão e da gaita, quando o par se posiciona no tablado e a música começa, algo sagrado acontece: a dança tradicionalista gaúcha ganha vida e, com ela, a história de todo um povo volta a pulsar. Nas invernadas artísticas espalhadas pelos CTGs do Rio Grande do Sul, dançar é mais do que técnica — é um ato de resistência cultural, amor às origens e pertencimento.
Em Ibirubá, a tradição permanece forte graças ao envolvimento de jovens, adultos e veteranos em grupos de dança que ensaiam durante semanas para manter vivas as coreografias herdadas das rodas de galpão. O CTG Rancho dos Tropeiros é um dos espaços onde esse sentimento se materializa. “A dança gaúcha ensina muito mais do que passos. Ensina respeito, união, disciplina e orgulho do que somos”, comenta Fábio Carvalho Moreira, instrutor com décadas de atuação na região.
As danças de salão — como o xote, a vaneira e a rancheira — são coreografadas em pares e valorizam a elegância e a harmonia. Já a chula, executada exclusivamente pelos homens, é uma dança de sapateado solo, que exige destreza, força e precisão. “A chula emociona porque é pura entrega. O peão dança com o corpo inteiro e o público sente isso”, descreve Fábio.
A participação em rodeios artísticos, festivais e eventos como o Enart (Encontro de Artes e Tradição Gaúcha) tem proporcionado visibilidade nacional à arte cultivada nos CTGs. Mas, para além dos palcos e troféus, é nos ensaios semanais, nos acampamentos e nas rodas de chimarrão que o verdadeiro valor da dança se revela. “É ali que nasce o amor pela tradição. É onde pais e filhos se olham nos olhos dançando a mesma música de gerações atrás”, completa Fábio.
A preparação exige disciplina e comprometimento. Ensaia-se a entrada, o deslocamento, o encaixe dos pares, os giros e os momentos de pausa — tudo com rigor e paixão. “A dança exige do dançarino a mesma seriedade que se espera de um atleta ou músico. Tem ensaio, tem estudo, tem esforço. Só que aqui a motivação vem da raiz, da alma campeira.”
Para quem vê de fora, pode parecer apenas uma apresentação folclórica. Mas para quem vive a tradição, cada passo coreografado é um elo com os antepassados, com a história oral dos tropeiros e com a construção da identidade sul-rio-grandense. “É na dança que o gaúcho se reconhece, se emociona e se fortalece.”
Além do valor simbólico, as danças tradicionalistas também cumprem um papel social importante: afastam crianças e adolescentes de contextos de risco, criam vínculos de amizade e estimulam a convivência entre gerações.
“É bonito ver avôs e netos participando juntos de um fandango, falando a mesma linguagem do respeito e da tradição”, ressalta Fábio.
E mesmo com os desafios modernos, como a concorrência com as redes sociais e a perda de espaço nas escolas, o tradicionalismo resiste — porque quem pisa forte no tablado leva no peito a certeza de que o Rio Grande não é apenas um lugar: é uma forma de vive