
Essa reportagem é fruto de uma análise inicial do documento principal de 79 páginas. Uma cópia também foi encaminhada para o Poder Legislativo e para o Ministério Público.
Disponibilizado oficialmente somente em abril de 2025, o relatório final da equipe de transição da Prefeitura de Ibirubá, referente à passagem de governo entre as gestões do Frentão e Ibirubá Pode Mais expõe um cenário de desorganização administrativa, falhas estruturais e supostas irregularidades cometidas durante a administração do ex-prefeito Abel Grave. No relatório que está disponível para consulta no site da prefeitura junto com cerca de 1500 arquivos de anexos, os principais pontos levantados são a ausência de documentos essenciais, a existência de bens públicos em mau estado e a falta de controle sobre contratos, licitações e repasses. A equipe de transição, coordenada por Jair Luiz Scortegagna e Viviane Kanitz Gentil apontou situações como a precariedade do Arquivo Morto, com documentos expostos à umidade e infiltrações, e a centralização de decisões no gabinete do então prefeito Abel Grave. A equipe relatou ainda que diversos setores da prefeitura operavam sem integração, como o Setor de Compras e o Almoxarifado, o que segundo o documento dificultou a gestão eficiente dos recursos. O uso de pregões presenciais em vez de eletrônicos também foi criticado, contrariando recomendações do Tribunal de Contas.
No setor financeiro, o relatório identificou restos a pagar superiores a R$ 8,7 milhões, dos quais R$ 6,2 milhões não estavam processados, além de valores em aberto com INSS e FGTS. Em relação à receita, R$ 7,1 milhões estavam vinculados e apenas R$ 304 mil estavam livres para uso imediato. Também foi apontado o comprometimento de 39,01% da receita corrente líquida com a folha de pagamento.
Distrito Industrial: obra inacabada e venda duplicada
A situação do Distrito Industrial de Ibirubá recebeu atenção especial. A obra deveria ter sido concluída em dezembro de 2024, mas seguiu inacabada. A ausência de relatórios atualizados, cronogramas e registros fotográficos dificultou o diagnóstico preciso sobre os entraves. Parte dos terrenos foi vendida com pendências financeiras, e houve casos de venda duplicada de lotes, exigindo anulação de escrituras. Em um dos casos, foi vendida uma quantidade superior de lotes para a mesma empresa, o que fere as diretrizes estabelecidas. A coordenação das ações do distrito foi centralizada no gabinete do prefeito, sem tramitação pela Secretaria de Indústria e Comércio. "É fundamental que a nova gestão tenha clareza sobre o estágio atual da obra, os recursos já aplicados e os compromissos assumidos", destaca o texto.
Contratações e festas: possíveis irregularidades
Outro ponto crítico refere-se às contratações emergenciais e aos gastos no fim do mandato. Apenas em festividades de fim de ano, foram consumidos R$ 760 mil com shows e estrutura. Segundo o relatório, os contratos foram firmados sem justificativas técnicas claras, contrariando os princípios da moralidade e economicidade.
A equipe de transição sugeriu redirecionar parte desses recursos à saúde, o que não foi acatado. A resposta da antiga gestão limitou-se a informar que havia orçamento disponível, sem comprovação de planejamento. Outros problemas incluem a ausência de ações para regularização de loteamentos, a não revisão do Plano Diretor, a baixa pontuação no Programa de Integração Tributária e a falta de digitalização de processos técnicos e urbanos.
A Secretaria de Administração concentrou diversas falhas, como a ausência de respostas completas aos ofícios da equipe de transição, além da não entrega integral de senhas, documentos administrativos e chaves dos prédios públicos. Os registros estavam desatualizados, e a falta de clareza na comunicação com os novos gestores comprometeu o planejamento para os primeiros dias do novo governo.
A área da saúde apresentou obras inacabadas e riscos de perder prazos de execução. A construção das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e do novo CAPS não havia sido iniciada até o final do ano, e os orçamentos ainda estavam em fase inicial. A equipe alertou para o risco de os recursos vinculados se perderem se não houver agilidade na licitação e execução das obras.
Na Secretaria de Obras, o destaque negativo foi para a pavimentação da Rua Aloysio Müller, envolta em pendências, falta de audiências públicas e empresa contratada que sequer iniciou os serviços. O pedido de reequilíbrio financeiro foi feito sem base técnica, o que levanta suspeitas sobre a condução do contrato. Também houve críticas à recorrência de contratos com as mesmas empresas para horas-máquina e terraplanagem, com baixa fiscalização e justificativas frágeis.
Assistência Social
A falta de informações sobre o Loteamento Habitacional Avante chamou a atenção da equipe de transição. O projeto, considerado uma das vitrines da gestão anterior, carecia de documentação técnica, contratos e detalhamento das etapas executadas.
Meio Ambiente
Os repasses ao Fundo Municipal do Meio Ambiente (FMMA) só foram realizados após cobranças da equipe de transição, levantando dúvidas sobre a governança dos recursos. Também foi identificado desleixo na gestão do aterro sanitário, com riscos ambientais e ausência de medidas corretivas.
Planejamento
A equipe de transição identificou ausência de dados sobre contratos em vigor e falta de acompanhamento técnico em obras estratégicas. A desarticulação entre as secretarias e a centralização de decisões dificultaram a fiscalização e a execução de políticas públicas.
Gastos elevados com shows, falhas em contratos e acesso a informações públicas
A equipe de transição apontou gastos realizados no fim da gestão anterior, especialmente com a contratação de shows nacionais que somaram R$ 760 mil. Dentre os valores, destacam-se R$ 245 mil pagos à dupla João Neto e Frederico e R$ 295 mil a Luan Pereira, além de R$ 220 mil destinados à estrutura dos eventos. Apesar da recomendação para reavaliar os contratos e priorizar áreas como a saúde, a administração respondeu apenas que “havia orçamento disponível”, sem apresentar documentos técnicos que justificassem as escolhas.
No campo das obras públicas, o relatório destaca a pavimentação da Rua Aloysio Müller, que permanece sem início de execução, mesmo com pedido de reequilíbrio financeiro da empresa contratada. O projeto carece de audiência pública e enfrentou pendências no CADIN.
Situação semelhante foi observada em contratos de horas-máquina e terraplanagem, marcados por baixa fiscalização, repetição de fornecedores e justificativas frágeis baseadas na confiança, sem documentação técnica entregue até o fim do mandato.
O relatório ainda aponta falhas na transparência durante o processo de transição. Diversos ofícios foram respondidos com informações limitadas ou incompletas, dificultando a análise da estrutura administrativa e dos contratos vigentes. A ausência de registros claros sobre repasses, autorizações legais e dados financeiros indica possível violação ao princípio da publicidade e pode configurar tentativa de ocultação de informações públicas, conforme previsto na Constituição e na Lei de Acesso à Informação.
Com base nesses achados, o relatório recomenda que os fatos sejam investigados pelas instâncias competentes.