
No Mês da Consciência Negra, o relato de vida de Ágata Nunes Duarte revela como a infância marcada por luta, a jornada universitária repleta de obstáculos e a construção do próprio lugar de fala moldaram uma mulher negra que hoje inspira outras pessoas com sua representatividade, sua atuação profissional e sua voz firme na defesa da diversidade.
A história de Ágatha Nunes Duarte começa em Santo Ângelo, onde cresceu cercada pelo carinho dos avós e pela força da mãe, que enfrentou sozinha o desafio de criar uma filha negra num cenário em que as oportunidades eram poucas e os preconceitos, muitos. Ainda criança, ela já percebia que seu caminho não seria igual ao das outras meninas: eram as roupas escolhidas com cuidado para ir ao centro, o cabelo que precisava ser preso, os receios silenciosos da mãe tentando protegê-la de situações que Ágatha só entenderia anos mais tarde. “Antes mesmo de me reconhecer como mulher, eu já era negra — e isso sempre esteve comigo”, recorda.
Desde cedo, a arte passou a ser o refúgio e o impulso da jovem. Na escola, criava grupos de teatro, ensaiava, produzia apresentações e era sempre a protagonista dos pequenos projetos culturais. Também imitava comerciais, pedia para ser filmada e cultivava uma paixão espontânea pela comunicação. Mas quando chegou a hora de entrar na universidade, a realidade voltou a pesar. Sem condições financeiras e sem apoio paterno, Ágatha precisou conciliar estudo, trabalho, ônibus atrasado, frio intenso e incontáveis momentos de renúncia. “Era escolher entre comprar o pão para o dia ou pagar a passagem até a aula. Mas desistir nunca foi uma opção”, relembra.
Na Unicruz, o impacto foi imediato. Em um campus lotado, ela logo percebeu que quase não havia pessoas negras circulando pelos corredores. Em determinado momento, chegou a contar: eram sete ou oito em toda a instituição. Entre olhares atravessados, comentários velados e episódios de racismo explícito — como quando foi convidada a se retirar de uma sala após um aluno debochar em alemão —, Ágata encontrou força na militância, no diálogo e no coletivo. Tornou-se presidente do DCE, atuou pela melhoria da vida acadêmica dos estudantes e passou a ocupar espaços decisivos, mesmo sabendo do peso emocional que cada passo exigia.
Formada, Ágata foi em busca da primeira oportunidade na área. E encontrou em Ibirubá não apenas um trabalho, mas um caminho. Chegou para atuar no jornalismo, encantou-se pela cidade e conquistou seu espaço com profissionalismo, sensibilidade e carisma. Depois, participou de um seletivo de meses até ser aprovada no Marketing da Coprel, onde hoje representa a marca com autenticidade e orgulho. Sua presença, como mulher negra em um setor estratégico de uma grande cooperativa, é simbólica — e necessária.
“Eu sei que sou exceção da regra. Não encontro muitas pessoas negras ocupando o mesmo tipo de espaço que eu. Por isso faço questão de estar aqui, de aparecer, de falar.”
O cooperativismo, segundo ela, também se tornou parte desse processo de identidade. Ali encontrou acolhimento, propósito e a chance de comunicar transformações reais, como a universalização da internet no campo. Mas encontrou, principalmente, a possibilidade de ser referência. Para crianças negras como Samuel, que ao ver um vídeo da jornalista apontou para o próprio cabelo e reconheceu ali alguém como ele. Para jovens que se perguntam se devem estudar para o Enem. Para mulheres negras que ainda lutam para ocupar espaços de poder.
Ágata fala de racismo com firmeza, de ancestralidade com emoção e de representatividade com consciência. Relembra manifestações religiosas que a conectam com sua origem, cita a força da mãe que enfrentou portas fechadas, recorda o impacto de cada episódio de preconceito e reafirma seu compromisso com a luta antirracista.
“Não basta não ser racista. É preciso corrigir quem apresenta atitudes racistas, mesmo que pareça apenas uma piada. A negritude não é algo para ser silenciado.”
No mês da Consciência Negra, sua trajetória se torna ainda mais significativa. Mais que um depoimento, é um testemunho. A prova viva de que oportunidade, quando existe, transforma vidas — e ilumina caminhos para quem vem depois. “Seguimos lutando. Não conquistamos ainda o quilombo ideal. Mas estamos aqui, abrindo portas, ocupando espaços e mostrando que nossos passos vêm de longe.”
A história de Ágata Nunes Duarte não é apenas sobre vencer. É sobre existir, resistir, inspirar e transformar. É sobre carregar consigo ancestralidade, identidade e propósito. É sobre fazer da própria presença um ato político. É sobre ser exatamente aquilo que ela sempre ouviu que não seria: protagonista da própria história.





















