
O dia do acidente na lavoura, a mobilização que arrecadou recursos para próteses e a vida que reconstruiu com a família, o trabalho em casa e um recado direto sobre segurança no campo.
Em 2002, durante a colheita de milho, Marcos Reinheimer sofreu um acidente na lavoura que resultou na perda dos dois braços. Duas décadas depois, ele compartilha como sobreviveu, se adaptou e reconstruiu sua vida com apoio da família, da comunidade e da fé.
Era um domingo de inverno quando a vida de Marcos mudou para sempre. Aos 32 anos, enquanto trabalhava na colheita de milho, ele subiu na carreta graneleira para verificar a carga. “Errei o pé no último degrau. Se caísse para a esquerda, levantava e saía caminhando. Mas caí para a direita, em cima do eixo cardã”, recordou. O impacto foi devastador: perdeu os dois braços no mesmo instante.
Os colegas, em choque, correram para socorrer o trabalhador. Os braços foram recolhidos na lavoura e levados junto ao hospital na tentativa de reimplante. “Em Passo Fundo tentaram salvar o esquerdo. Já mexia os dedos, mas uma hemorragia súbita me levou de volta ao bloco cirúrgico. Quando acordei, não tinha mais nenhum braço.”
No hospital, uma enfermeira foi direta: “Você não perdeu um braço, perdeu os dois, mas vai sair dessa.” Foram 28 dias internado e meses de fisioterapia. “Passei seis meses em cadeira de rodas por conta de lesões nas pernas. Quando consegui caminhar, já era um milagre. Dava graças a Deus por estar vivo.”
A adaptação à nova realidade exigiu força emocional. Marcos não se deixou abater. “No começo botava teclado e mouse no chão e digitava com os pés. Depois descobri o teclado virtual. Hoje desenho e trabalho no computador com o pé direito.”
Um ano após o acidente, Catiane entrou de vez em sua vida. “Nos conhecíamos antes, mas começamos a namorar depois. Em tudo, do café ao fim do dia, estamos juntos”, contou ela. Para Marcos, a esposa é um exemplo de entrega: “Assumir essa vida comigo não é para qualquer uma. Se é para ser exemplo, que seja junto dela.”
O casal construiu família e negócios. Hoje, com as filhas e uma pequena empresa em casa, produzem estampas em camisetas, canecas e peças em MDF com máquina a laser. “Eu desenho, a Catiane corta e monta. Assim nos sustentamos, porque o benefício do INSS não dá para manter uma família.”
Em 2016, uma grande campanha mobilizou Ibirubá e região para arrecadar R$ 230 mil e adquirir próteses biônicas. “Foi emocionante, empresas e pessoas se uniram. Mas as próteses não trouxeram a independência que eu imaginava. Eram sensíveis demais, acionavam sozinhas, não tinham tato. Quase entrei em depressão. Desisti, mas não me arrependo. A campanha mostrou o quanto a comunidade acreditou em mim.”
Mesmo sem próteses funcionais, Marcos seguiu tocando a vida com bom humor e coragem. “Não caí em depressão, nunca precisei de remédios. Minha fé me sustentou. Eu digo: quem acha que a vida está ruim deve visitar um hospital. A gente percebe que não é o pior.”
A família também encontrou no tradicionalismo uma segunda casa. Convidada a integrar a invernada artística, a filha mais velha levou os pais junto. “Nem éramos sócios, mas fomos acolhidos no CTG Rancho dos Tropeiros. Hoje é parte da nossa vida.”
Com sua história, Marcos inspira, mas também alerta. “Quem trabalha na lavoura precisa cuidar de cada eixo, cada polia. É um segundo, e não tem volta. Vi um caso no Paraná essa semana e me cortou o coração. A vida é única, não dá para arriscar.”
Vinte e três anos depois, Marcos vive cercado pelo carinho da família e da comunidade, certo de que sua missão é seguir aprendendo. “Se Deus me deu uma segunda chance, vou viver. Cada dia é um degrau. Hoje minha vida é normal, diferente, mas normal. O que vale é estar vivo, trabalhando e aprendendo.”