
Especialista aponta descapitalização como principal entrave ao produtor e projeta cenário mais favorável para 2026, desde que haja apoio político e climático
Após cinco anos consecutivos de frustrações climáticas, o agronegócio no Rio Grande do Sul vive um dos seus momentos mais desafiadores. A combinação de secas severas, enchentes e a dificuldade de acesso ao crédito criou um cenário de forte descapitalização do produtor rural. Apesar das dificuldades, há sinais de esperança. Essa é a análise de Márcio Ücker, que concedeu entrevista exclusiva para traçar um panorama completo da situação.
“Hoje o principal problema do campo é a falta de capital. O produtor está descapitalizado, sem condições de investir em tecnologia ou sequer manter o nível de produtividade que já teve”, afirmou Ücker. Segundo ele, a ausência de recursos financeiros afeta diretamente o uso de insumos e tecnologias modernas, fundamentais para sustentar o setor.
Cenário climático: La Niña deve impactar até janeiro
Márcio destaca que, além das questões financeiras, o clima segue como fator determinante. Com base nos dados de sua estação meteorológica instalada no interior de Ibirubá, ele aponta que as condições do Pacífico Equatorial indicam a formação de um novo episódio de La Niña, o que significa maior probabilidade de seca na Região Sul até pelo menos janeiro. “A leitura mais recente indica -0,5ºC nas águas do Pacífico. Isso caracteriza La Niña. Ou seja, devemos ter deficiência de chuvas até o fim do ano. A esperança é que a neutralidade volte a partir de janeiro, como ocorreu em 2021, quando tivemos uma safra excelente”, projeta.
Produção nacional versus realidade gaúcha
Enquanto o Brasil comemora mais uma safra recorde, o Rio Grande do Sul segue patinando. “O Brasil vai ter grão, e isso derruba os preços no mercado internacional. Mas aqui, a realidade é outra: quebra de safra e endividamento em massa”, lamenta. Segundo Ücker, o Estado terá redução de área plantada e menos investimentos em tecnologia nas lavouras, o que deve impactar negativamente a próxima safra de verão.
Inverno traz alívio com trigo e canola
Apesar do contexto difícil, a colheita de inverno aparece como alento. “A canola teve aumento de mais de 30% na área plantada no Estado. Tivemos preços bons, entre R$ 146 e R$ 150 a saca, e o clima foi muito favorável até aqui. Se o produtor conseguir colher sem intempéries, vai entrar o fim de ano com renda garantida, o que é um fôlego”, explica.
Ücker defende a diversificação das atividades como estratégia para garantir renda. “O leite, por exemplo, é receita mensal. Mas muitos saíram da atividade quando a soja bateu R$ 200 a saca. Hoje, estão reféns da monocultura e sem capital para retornar à pecuária”, aponta.
Crédito: entrave estrutural e político
A dificuldade de acesso ao crédito é outro gargalo. Segundo o consultor, o novo Plano Safra está distante da realidade da maioria dos produtores. “Estamos a 20 dias do plantio e menos de 30% dos produtores conseguiram acessar os recursos. Há um nó entre governo e bancos. E a inadimplência está altíssima”, denuncia.
Ele critica a demora do governo federal em viabilizar a securitização das dívidas. “O PL 5122 avançou no Congresso, mas travou no Senado. A MP 1314 prevê o alongamento das dívidas com até nove anos para pagar, mas com recursos limitados. O RS precisaria de pelo menos R$ 30 bilhões, e o governo oferece R$ 12 bilhões”, resume.
Tecnologia e bioinsumos: esperança no médio prazo
Ücker acredita que o futuro do agro passa pelos bioinsumos e pelas tecnologias sustentáveis. “Produtos biológicos vêm ganhando espaço. A indústria sabe que muitos químicos perderam efeito. O investimento em inovação está grande, e isso deve mudar o cenário nos próximos anos”, afirma.
Ao final da entrevista, Márcio deixou uma mensagem de otimismo: “Se o clima ajudar e o governo fizer sua parte, o produtor vai dar a volta por cima. O agro sempre foi resiliente. Em 2026, podemos sim ter um novo cenário — desde que com planejamento, apoio e responsabilidade”.