
Aos 82 anos, o caminhoneiro conta sua saga, desde os Ford 35 de 1964 até as estradas do Paraguai, celebrando a camaradagem que se perdeu no asfalto moderno.
Com as mãos marcadas pelo volante e o olhar de quem já cruzou meio país, Élio Truss, 82 anos, relembra as estradas de cascalho, o ronco dos motores e os volantes “queixo duro” que o acompanharam por cinco décadas de profissão — um tributo poético à essência do caminhoneiro e à riqueza que carregam nas costas.
Em entrevista concedida no estúdio da Rádio Cidade, Élio Truss, com as mãos marcadas pela alavanca de marchas e o olhar de quem já cruzou meio país, apontou para o infinito da BR-386. “No meu tempo, não existia caminhão automático. Nem direção hidráulica.” A voz, firme como as engrenagens dos velhos Fiat e Ford 35 que o iniciaram, traduzia orgulho e saudade.
Em 1964, com apenas 21 anos, Élio aprendeu a guiar um Ford 35 de caixa seca. “Não tinha nada, tinha só vontade de pilotar”, diz, e os olhos brilham ao recordar as trocas de marcha “no ouvido” — sem conta-giros, o motorista confiava no ronco do motor para mudar de marcha. A embreagem pesada, o câmbio seco, o esforço físico para domar aquelas máquinas eram sinais de bravura e convicção.
Dois anos depois, em 1966, Élio “foi para o trecho” de verdade, entregando cargas pela região de Ibirubá e se aventurando rumo ao centro-oeste. “Andei muito, andei no Paraguai também. Levávamos a safra de soja até Paranaguá.” Em sua memória, desfilam estradas de terra batida, pontes estreitas e pausas obrigatórias para ajudar colegas em apuros. “Quando alguém tinha problema, a parceria parava. Não havia asfalto nem movimento intenso — a amizade era combustível.” O motorista recosta a cabeça no banco e retoma o tom mais grave. “Hoje é diferente. Se quebra, você chama guincho. Ninguém para mais. As pessoas têm medo dos golpes, dos assaltos. Entendo, mas dói.” O relato é um misto de compreensão e melancolia: a solidariedade que unia estradeiros se desfaz diante da insegurança moderna.
Apesar dos contratempos, Élio celebra as conquistas tecnológicas: direção hidráulica, embreagem a ar, câmbio com conta-giros. “Cada avanço tornou a vida mais leve, mas também menos intensa.” Para ele, os velhos caminhões tinham alma — e cada quilômetro era poesia em movimento.
Hoje, já aposentado, mas jamais distante das estradas, Élio visita os amigos nas paradas e compartilha histórias com a nova geração de motoristas em encontros semanais nos postos de Ibirubá. “Quero que eles conheçam de onde viemos. A estrada é escola de paciência e coragem.”
Com 50 anos de estrada cravados na memória, ele se levanta, ajeita o boné e volta ao presente: “Ser caminhoneiro é carregar a riqueza do nosso país e o nosso sonho. Se hoje as estradas mudaram, a paixão permanece.” E, ao partir, deixa para trás o eco de um motor antigo — lembrança viva de uma era em que o volante era também pincel de uma poesia rodoviarista.