
Do bairro Unida aos campos do Vila Nova, Florestal, São José, Cristal e outros clubes, Gildo Álvaro Ferreira construiu uma trajetória que ultrapassa vitórias. Sua história é de entrega, resiliência e amor ao futebol amador.
Na sala de troféus invisível da memória esportiva de Ibirubá, há um zagueiro que jamais deixou de vestir a camisa com honra. Gildo Álvaro Ferreira, ou simplesmente Gildão, representa uma geração moldada na bola de capotão, nos campinhos improvisados e na paixão de um tempo em que se jogava por amor — e, se sobrasse, por uma cerveja depois do apito final.
Nascido em Ibirubá, criado no bairro Unida, filho do gaiteiro Santa Maria e de dona Elizabete, Gildo teve na infância a escola da vida: dividia os dias entre os estudos, que não chegou a concluir, e as primeiras peladas de futebol. “Aquela época era complicada. Ou tu estudava ou tu trabalhava”, relembra, entre um sorriso e uma lembrança.
Seu início no futebol organizado foi na ASIF, levado pelo professor Luiz. Ali, no meio de amigos como Ortiz, Refatti e Éder da Rosa, Gildo entendeu que a habilidade podia até faltar, mas a vontade, essa sim, jamais. Começou como lateral, mas a bola insistia em não cooperar com a técnica. Foi parar na zaga, onde fincou raízes e construiu respeito.
No aspirante do Vila Nova, recebeu sua primeira chance. O técnico Neco Guedes acreditou nele. Depois, com o Grêmio Ibirubá, onde treinava até 11 da noite com o técnico Garrincha, lapidou o senso de posicionamento. “O Garrincha era tático. Ele dizia: marca até no banheiro se precisar. E eu ia”, conta entre risos.
Seus anos dourados vieram com a geração de 1980. Foi titular na histórica Copa Sul Sub-21 no ano 1999, competição que colocou Ibirubá em evidência. Dividiu a zaga com Leonir, Fedeco e outros nomes que se tornaram lendas locais. Ganhou títulos com o Cristal, Florestal e passou por clubes como Águia Branca, São José, Inconfidência, Ipiranga, Bangú e Palmeiras.
“A gente não ganhava dinheiro, mas ganhava respeito. Ninguém jogava sozinho. Se hoje estou aqui é porque tive um parceiro do lado, um técnico que confiou, uma torcida que gritou meu nome”, diz Gildo.
Sobre os adversários, menciona nomes com reverência: Lucas Bugrão, Cristiano Spengler, Caco e Marcio Almeida. “Preferia marcar os mais rápidos do que os tanques que faziam parede”, revela. Com os companheiros, cultivou amizades que duram até hoje. “Depois do jogo, morria tudo ali dentro das quatro linhas. Fora, era cerveja, resenha e abraço”.
Entre os momentos mais marcantes, recorda o gol de cabeça que classificou o time contra Santo Augusto na Copa Sul. E o vice-campeonato com o Águia Branca, que ainda dói. “Estava na mão. Perdemos por erros nossos. Mas faz parte. Futebol é isso: ganhar, perder, mas acima de tudo, viver.”
Aos 45 anos, Gildo sonha em voltar aos gramados como treinador. “Se me chamarem, até um segundão eu topo. A vida inteira foi futebol. Agora quero devolver um pouco disso”. Para ele, um campeonato ideal em Ibirubá teria espaço para os jovens e um número limitado de jogadores de fora. “É preciso valorizar os daqui”, defende.
Gildão não é apenas um zagueiro. É símbolo de uma era. É aquele que “chegava junto” sem ser maldoso. É o que pegava a braçadeira de capitão quando precisava, mas jogava firme mesmo sem ela. É filho do gaiteiro, irmão da Cíntia e da Aline, pai de Wesley e Guilherme, e compadre da cidade inteira.
Ao fim da entrevista no Baú do Esporte, deixou seu abraço à família, aos amigos e à torcida. Disse com simplicidade o que levou uma vida inteira para construir: “O que fica é a amizade. Ninguém ganha sozinho. Se eu tô aqui, é porque todos eles estiveram comigo também.” finaliza.